segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Alexandre o rapaz dos ossos de vidro
Portador de uma doença hereditária rara, que o levou a sofrer mais de 300 fraturas por todo o corpo, ele não apenas sobreviveu, contrariando até previsões médicas, como deu a volta por cima. Colará grau em gestão de marketing este mês Marcelo Abreu A gravidez foi normal. Os exames durante os nove meses nada indicavam que o bebê tinha alguma anormalidade. E lá se foi a mãe para o Hospital Santa Helena, dar à luz o quarto filho. O parto cesariano foi feito sem intercorrências. A piauiense Maria Ferreira de Oliveira, então com 25 anos, moradora de Sobradinho, estava acostumada a parir sem sustos. Assim que o bebê nasceu, os médicos logo perceberam que havia alguma coisa diferente. “Estava anestesiada e lembro que só me disseram que ele tinha algum problema”, conta. Na manhã seguinte, levaram o filho para Maria conhecer. E o impacto: o bebê estava com as duas pernas fraturadas. Eram as primeiras fraturas de uma série que mudaria para sempre a vida de toda a família e daquele recém-nascido. Começava a peregrinação pelo diagnóstico daquela estranha doença. Não, o bebê de Maria não caiu ao nascer. Não sofreu maus-tratos no parto. Nasceu assim. Uma radiografia no Hospital de Base, com exames mais detal hados, começava a dar alguma pista. E finalmente o diagnóstico fechado. Alexandre Ferreira Abade nasceu com osteogênese imperfeita. O nome é complicado, difícil mesmo até de pronunciar. Mas era a única certeza que os pais tiveram naquele momento. Os ossos de Alexandre eram tão frágeis que se partiam ao menor contato. Com um mês de vida, ele foi encaminhado ao Hospital Sarah do Aparelho Locomotor, para tratamento. Começava a difícil vida daquela criança que sequer podia ser abraçada. Q ualquer contato mais próximo poderia representar risco de algum osso quebrado. Só a mãe aprendeu a pegá-lo. Alexandre cresceu protegido de tudo e todos. Nunca andou. Nunca correu. Nunca empinou pipa. Nunca sentiu os pés tocarem o chão. Nunca comeu com as próprias mãos. Nunca penteou os cabelos. Nunca foi à escola. Estaria fadado a viver sem qualquer emoção. Passaria pela vida quase como um ser inanimado. Assim foi toda a infância e a adolescência do flamenguista roxo. Até os 17 anos, ele já havia tido mais de 320 fraturas por todo o corpo. Às vezes, os ossos se quebravam até mesmo quando ele dormia. Isso sem contar as inúmeras pneumonias e infecções de garganta. “Eram 15 dias no hospital, 15 em casa. Às vezes, a fratura era mais séria e todo o corpo era engessado”, lembra a mãe. O pai, João Abade, se aposentou para cuidar exclusivamente apenas do filho. Era muito pesado apenas a mãe tomar conta sozinha. E a família — pais e irmãos — decidiu que Alexandre, mesmo com todas as dificuldades e limitações a que estaria condenado, teria qualidade de vida. No auge da adolescência, ele experimentou uma pequena melhora. Começou a fazer tratamento homeopático, indicado por um clínico de Sobradinho. Os ossos ficaram mais resistentes. Era 1996, ano em que teve a última fratura. E ele queria viver, mesmo numa cadeira de rodas e com todos os membros comprometidos. Repetia isso à mãe e ao pai. Queria conhecer a vida que lhe foi confiscada. Queria que o vissem. Queria de fato existir. Naquele mesmo 1996, aos 17 anos, Alexandre foi matriculado numa escola de ensino especial, em Sobradinho, perto de casa. Era a primeira vez que teria contato com gente fora da família. Extasiou-se com o mundo que começava a surgir diante dos seus olhos. Incansáveis, pai e mãe se revezavam na locomoção do filho ao colégio. No ano seguinte, ele foi transferido para uma escola de ensino regular. E nunca mais parou de estudar. Teatro e amores A cada seme stre, o aluno se superava. Devido às graves dificuldades motoras, os professores o avaliavam com testes orais. Mas o conteúdo era o mesmo exigido de todos os alunos. Assim, ele terminou o ensino fundamental com louvor. A cada ano, desafiava novos limites. Desfilou em 7 de setembro, em um pelotão de honra. Despertou para as primeiras paixões. Sofreu por amor. Apaixonou-se. Deparou-se com a internet e um mundo que o ajudou a viajar sentado na sua cadeira de rodas. Usa um computador adap tado pelo Sarah. Começou a participar de grupos de teatro da escola, dos encontros de jovens da igreja católica. Com a peça Baú de imagens, viajou até Rio Quente (GO), para representar um deficiente que luta para ter o amor de uma menina cuja família não aprovava o relacionamento. Foi aplaudido de pé. O grupo levou o primeiro lugar no festival. “Foi o maior desafio da minha vida”, reconhece, com um sorriso de quem entende exatamente o que é superação. Alexandre chegou ao ensino médio. Passou com nota máxima em todas as disciplinas. Prestou vestibular para gestão de marketing de pequenas e médias empresas, na Uniderp Interativa, em Sobradinho. Foi classificado em primeiro lugar. No dia 28, colará grau. Vestirá beca. E lerá um discurso emocionado. Agradecerá ao pai, morto há dois anos, que largou tudo para que ele vivesse com dignidade. “Foi o momento mais difícil da minha vida. Mas ele está sempre presente na minha vida. Aparece nos meus sonhos quase todos os dias”, conta Ale xandre. Maria confirma: “Às vezes, eu acordo e escuto ele falando em sonho com o pai”. Na casa modesta na Quadra 13 de Sobradinho, um rapaz de 30 anos, 1,20m e pouco mais de 30kg se agiganta quando fala da vida. Até hoje, a mãe lhe dá banho, comida, troca roupa e penteia seus cabelos. Mas nada o impede de acreditar nos próprios sonhos. Nem toda a limitação. Nem todas as negativas que a vida lhe deu. Pelo contrário. Hoje, Alexandre dá palestras em escolas, igrejas, associações. O tema? “Falo sempre em superação. Digo às pessoas que todo mundo pode tudo, basta querer”, ensina. As pessoas o escutam com emoção travada na garganta e olhos marejados. Antes de começar as palestras, ele lê um trecho de uma música dos Titãs que virou seu hino: “Quando não houver saída, quando não houver mais solução, ainda há de haver saída...Quando não houver esperança, quando não restar nem ilusão, ainda há de haver esperança...” Felicidade Manhã de quinta-feira, 11h30 . No quarto simples da casa igualmente humilde de Sobradinho, Alexandre mostra suas fotos no computador. Cada uma é a certeza da maior vitória de sua vida: estar vivo. “As pessoas diziam ao meu pai: ‘Esse menino vai dar um trabalho danado pra criar’. Meu pai respondia: ‘Deus me deu porque sabe que saberemos cuidar’. Ouvir aquilo me fortalecia”, ele diz, olhando a foto do pai no computador. E constata: “O mundo ainda não tá preparado para aceitar pessoas diferentes”. O rapaz “diferente ” tornou-se o melhor ouvinte dos amigos. Em todas as ocasiões. Eles o procuram para aconselhamento, ao menor sinal de qualquer problema. “Dizem que sou exemplo pra eles. Não vejo assim. Deus é o maior exemplo.” Pergunto como vai o coração. Ele devolve, em meio a risos e segredos: “Tô conhecendo alguém. Hoje (ontem) é o aniversário dela. Mandei uma mensagem pela internet”. E continua: “Todo relacionamento é um novo caminhar, um desafio. Às vezes, gostamos, mas não sabemos lidar com a situação... ” No meio da conversa, Alexandre faz uma revelação comovente: “Se tivesse que nascer de novo, pediria a Deus pra me colocar dessa mesma forma. Nunca me revoltei com nada e aprendi a dar valor a cada coisa que consegui”. E admite, olhando fixamente para o interlocutor: “Obstáculo não é apenas limitação física. É fechar os olhos para os objetivos, os sonhos, não enxergar a esperança”. No fim da entrevista, o rapaz dos ossos tão frágeis como vidro define felicidade da forma mais comovente e concreta que alguém poderia fazer: “É viver. Transformar tristeza em conquista”. Não há mais o que perguntar. Há pessoas que têm a incrível capacidade de renascer e, inacreditavelmente, reiventar a vida. Alexandre é uma delas. Sem cura É uma doença genética. Os pacientes com essa enfermidade nascem sem a proteína necessária (colágeno) ou sem a capacidade de sintetizá-la. Uma vez que essa proteína é um importante componente estrutural dos ossos, eles tornam-se an ormalmente quebradiços. As crianças portadoras dessa doença nascem já com fraturas múltiplas e o crânio mole. Geralmente, não sobrevivem. Se sobrevivem, vão sofrendo várias fraturas ao longo de toda a infância. Não há cura. Boa causa Alexandre aceita convites para palestras sobre superação. E quem puder ajudá-lo com uma vaga no mercado de trabalho pode ligar: 9234-2167 e 3591-5020.
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